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|  Pêro Andrade Caminha
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|  Poesias Inéditas
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   Pêro de Andrade Caminha
   POESIAS INÉDITAS


   SONETOS


   Soneto I


     De Amor escrevo, de Amor falo e canto;
     E se minha voz fosse igual ao que amo,
     Esperara eu sentir na que em vão chamo
     Piedade, e na gente dor e espanto.


     Mas não há pena, ou língua, ou voz, ou canto
     Que mostre o amor por que eu tudo desamo,
     Nem o vivo fogo em que me sempre inflamo,
     Nem de meus olhos o contino pranto.


     Assi me vou morrendo, sem ser crida
     A causa por que em vão mouro contente,
     Nem sei se isto que passo é vida ou morte.


     Mas inda da que eu amo fosse ouvida
     E crida minha voz, e da vã gente
     Nunca entendida fosse minha sorte!



   Soneto II


     Quanto cuido, senhora, quanto escrevo,
     Tudo em vossos fermosos olhos leio,
     Neles, ante quem tudo é escuro e feio,
     Aprendo e vejo como amar-vos devo.


     Vejo que ao vosso amor todo me devo,
     Mas não vos sei amar, e assi me enleio
     Que não sei se vos amo ou se o receio,
     E a julgar em mim isto não me atrevo.


     Em vós cuido, em vós falo o dia e ora,
     Mouro por ver-vos, ir-vos ver não ouso,
     Por não ver quanto mais devo do que amo;


     Ó sol e ó. sombra o vosso nome chamo,
     Fora destes cuidados não repouso;
     Se isto é amor, vós o julgai, senhora!



   Soneto III


     Rosto que a branca rosa tem vencida,
     E ante quem a vermelha é descorada,
     Olhos, claras estrelas, que espantada
     Têm a alma, aceso o peito, presa a vida;


     Cabelos, puros raios, que abatida
     Deixam da manhã clara a luz dourada,
     Divina fermosura, acompanhada
     De üa virtude a poucas concedida;


     Palavras cheias de alto entendimento
     Raro riso, alto assento, casto peito,
     Santos costumes, vivo e grave esprito;


     Divino e repousado movimento,
     E muito mais, que está em minha alma escrito,
     Me tem num puro amor todo desfeito.



   Soneto IV


     Sobre mu cuidado triste me desfaço,
     Como ó sol neve, como névoa ó vento,
     E como cera ao fogo; e assi em vão tento
     Quanto cuido e ordeno, e quanto faço.


     Nele mil vezes mouro e mil renaço,
     E ando de pensamento em pensamento
     Provando se acharei contentamento
     Que me erga das tristezas em que faço.


     Mas em vão o desejo, em vão o espero!
     Que vós, senhora, tendes já tomado
     Todo remédio que alegrar-me possa.


     Mas não me tirareis este cuidado,
     Que inda que é triste, é vosso, e assi o quero;
     Mas ai, que desta pena a culpa é vossa!



   Soneto V


     Eu cantarei de amor tão novamente,
     Se me ouve aquela de quem sempre canto,
     Que de mim dor e magoa, e dela espanto
     Terá a mais fera, inculta e dura gente.


     E ela que assi tão crua e indinamente
     Dura aos meus choros é, surda ao meu canto,
     Algüa parte crerá (se não for tanto
     Como eu desejo) do que esta alma sente.


     Mas como esperarei achar piedade
     De mim nem em mim mesmo, se ela nega
     (Não peço brandos já) duros ouvidos?


     Se nega um volver de olhos com que cega
     A luz e dá só escuro claridade,
     Como serão meus danos nunca cridos?



   Soneto VI


     Ora alegre, ora triste, ou rindo, ou grave,
     Ou queda, ou dando passos concertados
     Ou tomeis com silêncio altos cuidados,
     Ora ouça vossa voz branda e suave;


     Ora abertos os olhos (onde a chave
     Tem amor do que pode) ora cerrados,
     Ou estêm de asperezas descuidados,
     Ora sua aspereza tudo agrave;


     Ou do crespo ouro que toda alma prende
     Vossa cabeça rodeada seja,
     Ou dele solto a luz estê invejosa:


     Agora assi, agora assi vos veja,
     Igualmente a meus olhos sois fermosa,
     Igualmente em meu peito o amor se acende!




   EPIGRAMAS


   Epigrama XLVIII


     Em todas as sortes de versos cantada
     Deves de ser sempre, Fílis, com razão
     Deves de todo engenho ser louvada,
     Mas ah! quando a louvar-te chegarão?
     Nem os versos dirão nada,
     Nem engenhos bastarão;
     Mas estás tanto acima
     De quanto na terra há
     Que teu nome à rima
     Que te cantará
     Grande estima
     Lhe dará.



   Epigrama XLIX


     Nunca vi
     Fermosura,
     Fílis, como a ti
     Tem dado a ventura;
     E todo tempo assi
     Tão firme e tão segura.
     Em ti o Amor nos mostrou
     Tudo o que pode na terra,
     Nosso bem, nosso mal em ti juntou,
     E nos pôs em teus olhos paz e guerra;
     Mas sempre a paz neles, Fílis, nos negou,
     Vê bem quanto nisto Amor contra nós erra.