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|  António Ferreira
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|  Poemas Lusitanos
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   António Ferreira
   POEMAS LUSITANOS


   1


     Livro, se luz desejas, mal te enganas.
     Quanto melhor será dentro em teu muro
     Quieto, e humilde estar, inda que escuro,
     Onde ninguém t’impece, a ninguém danas!


     Sujeitas sempre ao tempo obras humanas
     Coa novidade aprazem; logo em duro
     Ódio e desprezo ficam: ama o seguro
     Silêncio, fuge o povo, e mãos profanas.


     Ah! não te posso ter! deixa ir comprindo
     Primeiro tua idade; quem te move
     Te defenda do tempo, e de seus danos.


     Dirás que a pesar meu fostes fugindo,
     Reinando Sebastião, Rei de quatro anos:
     Ano cinquenta e sete: eu vinte e nove.



   2


     Dos mais fermosos olhos, mais fermoso
     Rosto, que entre nós há, do mais divino
     Lume, mais branca neve, ouro mais fino,
     Mais doce fala, riso mais gracioso:


     Dum Angélico ar, de um amoroso
     Meneio, de um esprito peregrino
     Se acendeu em mim o fogo, de que indino
     Me sinto, e tanto mais assi ditoso.


     Não cabe em mim tal bem-aventurança.
     É pouco üa aima só, pouco üa vida,
     Quem tivesse que dar mais a tal fogo!


     Contente a alma dos olhos água lança
     Pelo em si mais deter, mas é vencida
     Do doce ardor, que não obedece a rogo.



   3


     S’erra minh’alma, em contemplar-vos tanto,
     E estes meus olhos tristes, em vos ver,
     S’erra meu amor grande, em não querer
     Crer que outra cousa há ai de mor espanto,


     S’erra meu esprito, em levantar seu canto
     Em vós, e em vosso nome só escrever,
     S’erra minha vida, em assi viver
     Por vós continuamente em dor, e pranto,


     S’erra minha esperança, em se enganar
     Já tantas vezes, e assi enganada
     Tornar-se a seus enganos conhecidos,


     S’erra meu bom desejo, em confiar
     Que algu’hora serão meus males cridos,
     Vós em meus erros só sereis culpada.



   4


     Quando entoar começo com voz branda
     Vosso nome de amor. doce, e suave,
     A terra, o mar, vento, água, flor, folha, ave
     Ao brando som se alegra, move, e abranda.


     Nem nuvem cobre o céu, nem na gente anda
     Trabalhoso cuidado, ou peso grave,
     Nova cor toma o Sul, ou se erga, ou lave
     No claro Tejo, e nova luz nos manda.


     Tudo se ri, se alegra, e reverdece.
     Todo mundo parece que renova.
     Nem há triste planeta, ou dura sorte.


     A minh’alma só chora, e se entristece,
     Maravilha de Amor cruel, e nova!
     O que a todos traz vida, a mim traz morte.



   5


     Se meu desejo só é sempre ver-vos,
     Que causará, senhora, que em vos vendo
     Assi me encolho logo, e arrependo,
     Que folgaria então poder esquecer-vos?


     Se minha glória só é sempre ter-vos
     No pensamento meu, porque em querendo
     Cuidar em vós, se vai entristecendo?
     Nem ousa meu esprito em si deter-vos?


     Se por vós só a vida estimo, e quero,
     Como por vós a morte só desejo?
     Quem achará em tais contrários meio?


     Não sei entender o que em mim mesmo vejo.
     Mas que tudo é amor, entendo, e creio,
     E no que entendo, e creio, nisso espero.



   6

 //-- (À morte da esposa) --// 

     Ó alma pura enquanto cá vivias,
     Alma, lá onde vives, já mais pura,
     Porque me desprezaste? Quem tão dura
     Te tornou ao amor que me devias?


     Isto era o que mil vezes prometias,
     Em que minha alma estava tão segura?
     Que ambos juntos Da hora desta escura
     Noute nos subiria aos claros dias?


     Como em tão triste cárcer’ me deixaste?
     Como pude eu sem mi deixar partir-te?
     Como vive este corpo sem sua alma?


     Ah! que o caminho tu bem mo mostraste,
     Porque correste à gloriosa palma!
     Triste de quem não mereceu seguir-te!