Текст книги "Um Julgamento de Contos de Fadas a Colarinho Branco"
Автор книги: Marcos Sassungo
Жанр: Современная зарубежная литература, Современная проза
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– Mãe, mas como a senhora foi capaz de me esconder uma verdade destas? Como vocês tiveram a coragem de encobrir uma verdade destas para mim o tempo todo? Vocês deixaram que eu não tocasse o abraço do meu pai, e muito menos o cheiro do seu beijo. Eu não sei o que pensar da bondade do meu pai adoptivo ou da infidelidade carinhosa da minha mãe. Simplesmente, eu não sei do que dizer. Agora que ele morreu, vocês vêm-me revelar a verdade e pensar que eu, simplesmente acredite e aceite com alegria o que vocês esconderam de mim há vinte e dois anos? O que vocês fizeram comigo?
– Não fizemos nada, filho. Apenas queríamos proteger-te. – Disse o Sr. Rafael.
– Mas proteger de que, pai e por quê?
– Filho, eu sei de que o que acabas de ouvir prova o facto de que não somos os melhores pais do mundo. Esconder uma verdade destas a um filho, com certeza, é o maior erro que alguém pode cometer. E eu e tua mãe cometemos. Inclusive ela me pediu que contássemos, mas eu a impedi de o fazer, pelo que apenas hoje tivemos a coragem de contar a verdade por detrás do teatro da vida real. Anderson foi o seu verdadeiro pai. Eu sinto muito. Perdoe-nos, filho.
Batinho saiu e foi para o seu quarto. O Sr. Rafael abraçou a Esmeralda e ela chorando, disse:
– Olha o que nós fizemos, Rafael.
– Vai ficar tudo bem, querida. Não te preocupes. – Disse ele.
Batinho não saiu do seu quarto durante dois dias. Não quis comer nem beber, apenas queria ficar sozinho. Isto começou a preocupar o Sr. Rafael e a Esmeralda. E Batinho, no quarto, procurava conviver com as lembranças que cruzavam a sua consciência:
– Bom dia, tio Anderson.
– Bom dia, Batinho, como estás?
– Estou bem e o senhor, como está?
– Maravilha. Vai haver um jantar especial neste fim-de-semana, em minha casa, e tu não te importas se eu te convidar?
– Obrigado, Sr. Anderson. Seria bom poder aparecer, mas infelizmente neste fim-de-semana estarei ocupado. Mas quem sabe pela próxima vez eu possa aparecer!
– Está bem, filho eu ficaria muito grato receber-te em minha casa.
No meio das lembranças que machucavam a sua consciência, Batinho começou a questionar o desastre das emocões no seu mundo interior.
Como poderei eu sobreviver com esta verdade camuflada há bilhões de segundo? Quem sou eu? Talvez terei cometido um crime de colarinho branco de modo que a sentença para mim foi o encobrimento de uma verdade que eu teria o direito de saber. Mas como eles foram capazes de fazer isso comigo? Pelo menos eu teria abraçado o meu pai quando eu podia, teria andado com ele e o teria declarado amor, mas eu não pude. Céus, como poderá ser a minha vida em diante? Como é que serei visto pelos meus amigos? Eu que fui rude e mal educado com ele durante muito tempo e não percebia a intenção da sua aproximação. Os nossos encontros eram muito divergentes e o pior é que a Vanda está apaixonada por mim. Eu beijei-a intensamente e como poderei sobreviver com essa imagem? E como a poderei encarar novamente como uma pessoa normal? Meu Deus, o que está a acontecer comigo e por que tudo isto? Terei de sobreviver com essa guerra dentro de mim e resgatar o meu eu, a minha identidade.
O Sr. Rafael entrou no quarto e ao ver Batinho chorando, abraçou-o.
– Filho, perdoa a tua mãe bem como a mim. Somos culpados por essa dor e sentimos muito por isso tudo.
– Eu só quero estar sozinho, pai, por favor, deixe-me aqui.
– Mas tu precisas de comer, filho. Eu sei que errámos forte e entendemos a tua reacção e, realmente, respeitamos qualquer decisão que tomares. Mas, filho, eu amo-te. A vida continua. O mundo não vai parar e as pessoas muito menos.
A vida que pulsa em ti é mais forte do que qualquer circunstância desafiadora e com ela tens a oportunidade de reescrever novos trechos, novos sonetos e novas lembranças. Quanto a mim, também foi difícil aceitar, mas eu tive que conviver com a realidade porque eu já havia escolhido amar a tua mãe para sempre e esse para sempre desafiaria qualquer circunstância, filho. Por isso, eu não deixei que o Anderson cuidasse da tua mãe por mim.
– Pai, não sei o que dizer. Foi por isso que me havias aconselhado a agir diferente sobre o meu caso com a Carla. Agora tudo parece fazer sentido. – Disse o Batinho.
– Sim, filho, eu sou um ser humano imperfeito tentando acertar os alvos que sempre erro.
– Como o senhor teve a coragem de ficar com a mamãe depois de ter descoberto?
O Sr. Rafael pegou nas mãos de Batinho e disse:
– Vamos sentar-nos na tua cama e eu vou explicar-te como.
O Sr. Rafael olhou para Batinho e disse:
– Escreva isto que eu te vou dizer, filho. Ser homem é aprender a viver e a enfrentar circunstâncias difíceis da vida. E o primeiro conselho de David para o seu amado filho Salomão, mais que um conselho, foi um legado que mudaria a vida daquele futuro rei. E sabe qual?
– Seja homem. – Respondeu Batinho.
–É isso aí, filho. Eu amava muito a tua mãe. Mas que vantagens a vida tem, se amarmos somente as pessoas que nos amam? Que sabor a vida teria se cumprimentássemos apenas as pessoas que nos cumprimentam? Que lógica teria a vida se escrevéssemos apenas para as pessoas que nos escrevem? Que sentido teria o mundo se apenas abraçássemos as pessoas que nos abraçam? Amor incondicional. Foi isso que Jesus sentiu por todos, por absolutamente todos nós que habitamos nessa casa universal. A misericórdia e o amor de Deus para connosco são eternos independentemente de correspondermos a esse amor ou não. Mas entre nós humanos é mais fácil amar quem nos ama. É mais fácil cumprimentar quem nos cumprimenta. E naquela altura eu amava a tua mãe e ela declarava o seu amor por mim todos os dias. Mas quando eu descobri, eu fiquei chocado, saí de casa, conduzi embriagado e bati com o carro no camião e o resultado foi desastroso tanto para mim como para o veículo que conduzia. A mim foi-me dada uma segunda chance de viver, mas ao veículo, infelizmente não. Eu perdi o meu carro favorito naquele acidente. Literalmente, eu já fui dado como um defunto. Os meus pais choraram, mas felizmente eu voltei. Não para discutir com o teu verdadeiro pai, não para cobrar da tua mãe. Eu só queria a minha mulher de volta à casa. Todos se opuseram à minha atitude, mas filho, tu és autor da tua própria vida. As tuas acções em relação aos desafios que se lhe propõe mudam as cenas teatrais no palco da tua vida. Eu posso inclusive aconselhar-te em relação a determinado assunto. Mas és tu quem deve tomar as decisões. E foi exactamente o que fiz. Decidi amar e renovar os votos de casamento com a tua mãe e ela hoje percebe que, amor gera amo. Basta decidir amar. O mundo melhora quando amamos.
Batinho abraçou o Sr. Rafael e disse:
– Obrigado, pai, por ter cuidado de mim este tempo todo. Por me proteger com amor e carinho. Todos os pais são os melhores, mas tu és o melhor de todos.
Neste instante, entrou a dona Esmeralda e os três agradeceram a Deus pelos momentos e pela família. Batinho, motivado, tomou um banho, almoçou e logo depois saiu de casa e foi ao parque da Estufa, na cidade baixa.
E enquanto ele via de perto a cidade sobre uma montanha com a qual se podia ver a vista da cidade, apareceu a Vanda e aproximando-se dele, perguntou:
– Por aqui sozinho a estas horas, o que fazes?
– Estou a tentar encontrar a minha identidade perdida, Vanda.
– Poço sentar-me? – Perguntou a Vanda.
– Claro, à vontade.
– Eu soube do que aconteceu. Liguei para ti umas tantas vezes, o teu celular estava desligado e, o pior, a tua mãe disse-me que não estavas a receber visitas.
– O que dirias, ou melhor, como reagirias se os teus pais encobrissem o tempo todo uma verdade que terias o direito de saber? – Perguntou Batinho.
– Eu sei e imagino como deve ter sido doloroso ao saberes. Eu também fiquei abismada ao saber que tu és meu irmão. O papá nunca falou sobre isso e com certeza eu, no seu lugar, talvez reagiria da mesma maneira, ou talvez ainda pior. Mas estou feliz por seres realmente meu meio irmão.Tu és um presente de Deus na minha vida de qualquer maneira. Mas é difícil acreditar que o homem a quem beijei intensamente seja meu irmão. Simplesmente inacreditável e as minhas amigas sabem de que eu te amava como namorado e inclusive sabem de que nós… Oh, meu Deus. Eu não sei, Batinho…
– Vamos esquecer o que aconteceu entre nós. Vamos escrever novas memórias, vamos desenhar novas imagens no palco das nossas mentes. Não sabíamos e nem tínhamos como saber. A culpa é toda do silêncio que não gritou a verdade durante esse tempo todo, mas pelo contrário, congelou a confissão que revelaria a natureza da nossa genealogia. – Respondeu o Batinho.
– A minha mãe disse que tu precisas de tomar o que te pertence por direito.
– E o que será? – Perguntou Batinho.
– Papai deixou um testamento em teu nome como sendo um dos seus herdeiros. Ele tem uma participação de 50 % das acções na empresa que liderava e o mesmo está em teu nome. Tu precisas de cuidar de nós, agora, maninho. E além do mais, todas as vezes que poderes, a casa está aberta para ti.
– E você? – Perguntou o Batinho.
– Eu o quê?
– O que você herdou do papai?
– Eu e a mamã ficamos com a casa, os dois carros e trinta por cento das ações na Bernard Company onde eu vou trabalhar. Mas, se quiser ficar com o Jeep não me importo. Ele tem mais a tua cara do que a minha.
– Obrigado. Em tudo gostaria de ter estado mais tempo com ele como tu estiveste quando ele estava vivo, respondeu ele.
– Eu entendo, maninho. E qual é teu plano?
– Eu vou fazer faculdade em Luanda. Entretanto eu gostaria de que trabalhasses na empresa do papá em meu lugar, para tomares conta de tudo. Você fez Gestão no IMAG e creio que está tecnicamente preparada para enfrentar esse desafio, já eu não. Além do mais, preciso mesmo de me ausentar da cidade por algum tempo. Contudo eu passarei para assinar o testamento, mas, na próxima semana, já saio, a fim de ganhar tempo e poder inscrever-me na universidade.
– O que você vai estudar? – Perguntou a Vanda.
– Medicina. Eu vou ser médico.
– Está bem, maninho. Eu só desejo o melhor para ti, irmão e não te esqueças de me ligar e se precisar de alguma ajuda, por favor, não existe.
– Obrigado, Vanda. Eu vou estar em contacto contigo, sempre. Pode crer.
A Vanda levou Batinho ao advogado da família. Logo depois de ter assinado o testamento, Batinho despediu-se dela e da mãe da Vanda. E ao encontrar o Sr. Rafael, disse-lhe:
– Pai, o ano académico terminou e decidi estudar medicina em Luanda.
– Que bom, filho, eu e tua mãe apoiamos a tua decisão. Medicina é a melhor profissão do mundo, mas não a maior. Mais do que um curso para fazer e mais do que um caminho para trilhar, medicina é uma vocação e tu precisas de sentir esse chamado no coração. Se esse for o teu chamado, realmente siga-o, conquiste-o e não desista dele. Haverá pessoas a desistirem por vários factores: uns por falta de condições para continuar, outros porque não terão tempo suficiente para gerir conteúdos, outros desistirão, porque a sociedade retribuirá com um salário mínimo aquilo que realmente para ti custou caro. Medicina é uma arte. Medicina é uma jornada, uma missão, medicina é uma decisão de amor; aprender amar as pessoas e, o mais importante, aprender a amar a vida. Não importa de quem seja. Preste bem atenção nos detalhes dessa decisão. Eles mudarão a tua vida para sempre. Ouvirás os gritos de socorro de muitas mulheres e, muitas vezes, não poderás ajudar, pois a morte é o silêncio da alma. O espírito de equipa ceifará o teu carácter no processo da aprendizagem e no limiar da execução da profissão médica. Seja forte, seja corajoso e tu chegarás lá aonde muitos desejavam estar e seguir. Mas não permitas ser corrompido pelo espírito de competição, apenas sejas tu. A competição é o padrão que a sociedade usa para separar os melhores dos fracos. Ela faz-te acreditar que o mundo não é para todos e que só os fortes serão acomodados, ao contrário dos fracos que serão aposentados e esquecidos.Quanto a ti, meu filho, seja homem. Educamos-te com valores suficientes para te apresentar ao mundo como um cidadão pronto para as competições da vida. Qualquer desafio que enfrentares, estamos conscientes de que você vai vencer. Porque você já é um homem grande e preparado para viver a vida. Logo, viva e seja feliz no mundo com o que poder ter.
Vença não para ser o melhor, mas sim para inspirar outras pessoas a alcançar os seus objetivos, pois todos nós, sem excepção, fomos abençoados com dons incríveis e extraordinários.
– Está bem, pai. Obrigado. Eu vou sentir saudades de ti e da mamãe.
– Eu também, filho. Mas em Luanda é próximo. Em qualquer dia da semana, mês ou ano, poderemos visitar-te e se precisar de uma coisa, ligue, mande uma mensagem.
– Meu filho grandinho. Eu vou sentir saudades suas. – Disse a dona Esmeralda.
– Eu também, mãe. E a viagem está para quando? – Perguntou ela.
– Daqui há três dias. Vou despedir-me dos meus amigos. Apesar de que nem todos estarão aqui.
– Todos vocês irão para algum lugar? – Perguntou o Sr. Rafael.
– Sim, pai. O Tino, por exemplo, vai para Luanda cursar direito, o Mussungo vai ao Lubango formar-se no ISCED, o Marquitos vai à Rússia para formar-se em Petróleos, e eu para Luanda.
– Vocês são os jovens mais talentosos que já conheci e por isso vocês conseguirão. Tenho a certeza. – Disse a dona Esmeralda e acrescentou:
– Colorir a vida com alegria não pressupõe ser sempre uma tarefa fácil. Exige, na maioria das vezes, uma luta constante entre o querer e o realizar. Perseguir um sonho exige sacrifício e determinação. E mais do que isso, é reconhecer o propósito da obra na qual foste chamado a fazer. Todo o ser tem um sonho. Pequeno ou grande. Todos querem um futuro, um brilhar, um glamor em algum desses sonhos. Mas as lutas dessa vida, muitas vezes, nos põe cada vez mais a baixo e perdemos, quase que perdemos o sonho e o futuro. Se medicina é a sua paixão siga a luz no fundo desse desejo e dê o melhor de si mesmo.
– Obrigado, mãe. É por isso que eu te amo.
– Eu também te amo, filho.
Batinho foi convidado pelos amigos na Petisco Gigi, na cidade alta. Naquela tarde de sexta-feira, ainda se podia ouvir o programa radiofónico “Relaxe Total” na companhia do Alcindo Nunes e Hito Capitalista. Ao estacionar a viatura, o Batinho foi interpelado pela Carla:
– Ouvi dizer que vais sair da cidade.
–É verdade, Carla. Eu vou sair da cidade, vou para Luanda.
– Batinho, perdoe-me por tudo o que eu fiz a ti. O mal que causei não tem perdão, mas eu te peço, por favor, me perdoe.
– Eu já esqueci os factos, Carla. Fica tranqüila, querida. Passou muito tempo e sinceramente eu agradeço e perdoo-te. Eu quero muito que tu sejas feliz de verdade, querida. Mas me conta como tens passado?
– Tu sabes. Estou com o Pedro. Não era para ficar, mas acabei ficando com ele e ele tem sido bom para mim.
– Eu sei, Carla. Apesar de tudo, ele é um cavaleiro. Eu tenho total confiança que poderá amar-te do mesmo jeito que eu te amaria. Cuidará de ti como eu cuidaria também. Tu estás em boas mãos, Carla.
– Obrigado, Batinho. És uma pessoa incrível. Eu daria tudo para voltar o tempo atrás e fazer tudo de novo. Mas dessa vez, eu gostaria de ter corrigido os meus erros. Talvez tu hoje não te irias embora.
– Eu sei, Carla. Também és uma pessoa especial. Ter-te conhecido foi uma das maiores bençãos. Obrigado. Espero que tenhas uma vida cheia de graça e amor.
– A ti também, bons estudos e tudo de bom.
Os dois despediram-se e Batinho foi ter com os amigos no restaurante que ficava ao lado. E depois daquele dia, Batinho não viu mais a Carla e os amigos por muito tempo.
Capítulo V
Aparição
A vida é uma oportunidade, aproveite-a. A vida é uma beleza, admire-a. A vida é beatificação, saboreie-a. A vida é um sonho, torne-o realidade. A vida é um desafio, enfrente-o. A vida é um dever, cumpre-o. A vida é um jogo, jogue-o. A vida é preciosa, cuide-a. A vida é uma riqueza, conserve-a. A vida é um amor, goze-a. A vida é um mistério, desvende-o. A vida é uma promessa, cumpre-a. A vida é tristeza, supere-a. A vida é um hino, cante-o. A vida é um combate, aceite-o. A vida é uma tragédia, domine-a. A vida é uma aventura, afronte-a. A vida é uma felicidade, merece-a. A vida é VIDA, defende-a. Enfim, a Vida é JESUS, ame-o.
Disse o velho que se sentou ao meu lado, naquela viagem.
Era um senhor de longos anos, sua aparência mostrava a força de um homem de guerra, as suas mãos postavam lembranças de um trabalhador fascinante pela vida. Não era de admirar, o seu rosto comunicava ao meu a coragem de um homem que desafiou as muralhas da vida e a posição da sua tíbia, mostrava ser um senhor alto. Conhecemo-nos, naquela viagem.
– O prazer é meu, o prazer é nosso, meu filho. Conhecer alguém na vida é o maior privilégio que alguém pode ter. Eu vou lembrar-me do teu nome. Tu poderias escrever aqui, por favor, meu jovem?
– Claro, disse eu.
Aí, ele apresentou-me o seu livro.
– Esse é o meu livro da amizade. Tenho-o desde os meus trinta anos. Todas as vezes que eu conheço alguém, procuro ter o seu autógrafo, nesse livro. Nada mais do que um nome.
–É um tipo de pacto por acaso? – Perguntei.
Ele sorriu e disse:
– Filho, não é por isso.
– Então Sr., o que acontece com as pessoas que escrevem o seu nome nesse livro da amizade?
– Eu sou velho, mas não significa que sou mágico. Eu sei que vivemos num mundo onde a magia negra pressupõe um facto, mas acredite, meu filho. Eu sou apenas um velho humano que espera o seu dia de morte com expectativa. As pessoas que escrevem o seu nome nesse livro continuam as suas vidas de uma maneira normal e eu apenas oro por eles.
– Como assim? – Perguntei.
– Não tenho nenhum prazer na minha vida do que orar pelas pessoas. Eu sei que devo orar pelos meus filhos e netos, mas eu sinto que também devo orar pelos meus amigos, aqueles cujos nomes estão anotados nesse livro.
– Mas o senhor é perfeito? Sua oração é digna mesmo de salvar alguém de uma situação? – Perguntei, sarcasticamente.
– Não, eu não sou perfeito. Eu sou como você. Eu sou como qualquer um ser que nasceu, cresceu, envelheceu e que agora espera morrer. É a lei da vida celular. Bem, eu não salvo ninguém e não me preocupo com isso, porque esse não é o meu trabalho, pois o meu único trabalho é orar pelas pessoas.
– Mas ainda assim o senhor é um pecador e não devia fazer isso. Porque orar pelos outros? Essas igrejas contemporâneas de certeza estão lotadas de pessoas como o senhor, julgando-se santas, mas mais praticantes do pecado do que do bem. Logo eu não sei do porquê tais pessoas como o senhor podem frenquentar uma igreja. – Disse eu.
Espontaneamente, o velho olhou para mim, e com um olhar audacioso, respondeu:
– Igreja é igual a um hospital, filho. Não conjectures os meus pecados ou atitudes com a minha frequência à igreja. Eu sou, sem nenhum revés, um pecador tanto quanto você e não vou deixar de ser pecador, a menos que Jesus me convide a descansar do meu corpo moribundo. Outrossim, frequento a Igreja a fim de me santificar. Mas perceba que a minha santificação não é perfeita quanto a dos anjos, porquanto eles jamais pecam. De igual modo, hospital é lugar de quem se sente doente e não de quem está por fora a nadar num mar de saúde. E de acordo com a definição de saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde, eu creio não existir alguém que frequentando o hospital ou não, goze de uma perfeita saúde. A única diferença entre mim e ti é que quando eu vou ao hospital, desejo ser curado mediante a algo que incomode o funcionamento normal das minhas células e tu não mas, no fundo, todos nós somos doentes. Apenas o querer, o desejar nos diferencia. E isso é igual à Igreja. Eu quero, desejo-me santificar e tu não, mas, no fundo de tudo, eu e tu somos, sim, pecadores.
Eu fiquei sentido com a resposta do velho e disse:
– Eu tenho de admitir, o senhor é corajoso. As tuas palavras revelam ousadia. Eu vou ficar em Luanda, no Miramar.
– Daqui a pouco eu desço, mas quero dizer-lhe que foi bom ter-te conhecido, meu jovem. E desejo sucessos na tua jornada.
– Obrigado. Foi um prazer conversar com o senhor e ouvir as tuas histórias e gostaria de poder ter mais tempo de conversar.
– Eu digo o mesmo, meu jovem.
Chegou a hora em que o autocarro da agência Angoreal parou. Havia pessoas por todo o lado. Uns vendiam peixe do mar, outros frutos e ainda outros vendiam maruvo, uma bebida especial daquela região. Na verdade, estávamos no Catete e a filha do senhor Gomes esperava-o no passeio daquelas paragens. Eu vi ela ajudando um senhor alto de oitenta e oito anos a descer do autocarro.
– Pai, tenha cuidado, – dizia ela.
Eu não queria conhecê-la, mas havia um tom de felicidade no rosto daquela mulher. Ela era linda e com uma aparência simpática. Samanta era o seu nome. Eu podia ouvir, da janela, o seu nome, o nome com o qual o seu pai o chamou e, desde então, eu gravei o nome daquela mulher. Não obstante, partimos para Luanda, o lugar que registaria o contraste do destino da minha “Aparição”.
Aeroporto, Mutamba; aeroporto, Mutamba. Chamava assim o cobrador de um táxi. Os táxis tinham aparência de uma combi, e tinham todos uma cor específica, azul e branco. E eu vi com os meus próprios olhos como era difícil ganhar a vida numa cidade capital. As pessoas subiam e desciam de um lado ao outro, para vencer o sabor do pão à mesa.
Multiperfil, Benfica; Multiperfil, Benfica. Chamava outro. Desci no terminal da agência e nada me era amistoso. Havia tanta agitação e um indiscutível engarrafamento. Eu queria chegar ao Maculusso, o endereço que conheceria a ilusão da minha aparição. Por fim, peguei o táxi que chamava aeroporto Mutamba e, de lá, segui andando até ao Maculusso, num edifício de quatro andares. Quando, cheguei ao apartamento, tomei um duche, desci ao restaurante que ficava ao lado e servi-me do prato especial que vendiam. Não havia muito o que contar e para quem contar, pois tudo era novo. Ninguém me conhecia e eu não conhecia ninguém. Contudo voltei ao apartamento para descansar. No dia seguinte, acordei para procurar emprego na cidade de Luanda, pois eu queria ter uma independência económica, antes que chegasse o dia da inscrição na universidade.
Quinta-feira daquele dia de Novembro, arrumei-me como um pregador de rua, comprei o jornal na praça da Mutamba e segui em frente, nos endereços que davam lugar aos escritórios daquela cidade.
– Bom dia. Eu sou o Batinho da Silva Rafael, venho da cidade Huambo, técnico médio e procuro uma oportunidade de emprego; tenho alguns cursos adicionais como informática na óptica do utilizador e falo inglês, alemão, umbundo e português escrito e falado correctamente.
– Sr. Batinho, infelizmente não dispomos de vaga, agora. Quando tivermos, ligaremos para o senhor, caso deixe o seu curriculum. – Disse a secretária que me atendeu.
– Aqui está. – Respondi.
– Agradecemos por contactar a nossa empresa e qualquer informação que acharmos necessária, informaremos ao Senhor.
– Obrigado. Um bom dia e bom trabalho para vocês.
– Obrigado, igualmente, senhor.
Eu não vou desistir, vou tentar até ao final do dia, alguém poderá contratar-me. Pensei, ousadamente.
O outro endereço descrito no jornal convidou a mover-se até Vila Alice. Segui o endereço com a mente entupida de emoção e esperança. Era uma empresa petrolífera que estava a recrutar um especialista em perfuração com quinze anos de experiência.
– Infelizmente, o senhor não se adequa à nossa vaga. Passe por cá a próxima semana e até lá, quem sabe, teremos alguma coisa para lhe dizer.
Sai da Vila Alice e fui aos combatentes. Lá havia uma loja, uma outra agência, mas infelizmente não obtive sucesso. Por fim, decidi-me a ir para casa e descansar a alma. O dia foi tão longo e na minha mente apenas lembranças de casa, dos pais e da minha nova irmã. Eu sei que podia pedir algo a eles, mas eu me lembrei da história do meu pai e eu disse comigo mesmo que iria conseguir um emprego, antes de começar a estudar e mesmo que não consiga, ainda assim, estou disposto a ser um estudante da vida. Quero aprender a dar valor à vida.
Muitas vezes, nascemos num berço de ouro e crescemos com tudo o que os pais nos dão e nos esquecemos de que há gente passando fome. Como posso descrever a angústia de um paciente no hospital e a preocupação de alguém que está a cumprir uma pena injustamente? Como posso descrever o sorrir de um zungueiro nas avenidas de Luanda, se eu nem sequer um dia me fiz um deles? Será que terei tido eu a sorte de ter dois pais ricos e uma mãe bem sucedida? A religião chama de benção ao sucesso financeiro e a sociedade chama de riquezas. Enfim, dormi com a esperança e confiança de voltar a acordar.
No dia seguinte, pela manhã, arrumei-me novamente, saudei os meus vizinhos abaixo, comprei o jornal da manhã e fui novamente à luta. Desta vez, o endereço levou-me à rua da dona Ana de Sousa, Rainha N'zinga, Rainha dos reinos Ndongo e Matamba. Não a conheci, mas, naquele dia, conheci a rua que era a homenagem da sua força histórica. Entrei no edifício da Total e lá havia tudo que aguçava o meu sonho. Eu queria estar também em algum lugar, e ser visto como uma pessoa que tentou.
–É o Sr. Batinho?
–É sim o Sr. Batinho.
– Suba o quarto andar e lá está o Sr. William, o chefe dos recursos humanos, é com ele que terás de conversar.
– Obrigado.
Subi o elevador, a fim de ser transportado para o quarto andar e quando cheguei, estava lá o Sr. William. Era um homem alto e pele negra, não usava gravata, mas estava com o pausar de um team leader. E com um sotaque inglês ele disse:
– Sr. Batinho, que prazer ver o senhor.
– Sim, senhor, o prazer é meu.
– Bem, eu sou o William, responsável por conversar com todos os candidatos que pretendam ter uma carreira com a nossa companhia. E eu chamei o senhor em resposta ao e-mail que tive acesso esta manhã. Aqui o senhor diz que vem de uma outra cidade do país e que terminou o ensino médio. Conte-me um pouquinho mais de si. – Disse ele.
– Bem, eu sou uma pessoa criativa e disposta a aprender novas tecnologias e disposta a enfrentar qualquer desafio. Tenho defeitos e talvez os mesmos não agradem qualquer um, mas estou disposto a readaptar-me a qualquer ambiente de trabalho honesto e que proporcione, para mim, um sustento adequado.
– Sr. Batinho, durante semanas passa por aqui gente da sua idade e com uma experiência maior e melhor do que a que o senhor acaba de nos dispor. A minha pergunta é, porque é que devíamos contratá-lo?
– Perguntou ele, olhando bem nos meus olhos e tendo na mão esquerda uma esferográfica que aparentava ser azul. Eu olhei para o senhor, olhei para o chão e as minhas emoções invadidas pela epinefrina, comecei a gaguejar. Ele disse:
– Tenha calma, senhor, e sinta-se à vontade e se precisar de uma água, disponha, por favor.
Aí, eu dei um gole na água e voltei a olhar para o senhor com uma aparência de quem está confiante. Mas, na verdade, estava cheio de medo por dentro.
– As escolas oferecem-nos livros e cadernos para que possamos ser cidadãos cultos e educados. Somos inicialmente um produto bruto em mãos da nossa família, das igrejas e das escolas, principalmente. Dentro das escolas somos diariamente desafiados a sermos bons em tudo: na comunicação, na escrita, e na competência técnica-científica. As escolas descartam estudantes cujo proveito académico esteja fora dos seus padrões. Eu nunca tive uma nota baixa, mas convivi com amigos que já tiveram. Eu nunca precisei de ter um emprego, mas convivi com pessoas que já precisaram de ter um. Nunca tive um emprego, mas já tive amigos que tiveram um. E acredito que felicidade é o alcance destes desejos, porque a sociedade nos rotulou com a ideia de que só os vencedores destes estágios da vida merecem ser felizes. Eu sou um produto acabado de uma escola que confiou em mim conhecimentos científicos, os quais eu gostaria de usá-los aqui. Eu não fui o melhor, mas acredito que a sua Empresa não precise dos melhores, mas sim dos que tornam melhores os vossos serviços e que pretendam caminhar para superar os desafios que houver. Além do mais, eu sou jovem. Aberto para novas tendências e desafios. Eu usarei o melhor de mim para ajudar a empresa a alcançar o melhor que precisares.
–É tudo? – Disse o Sr. William.
– É tudo. É tudo, senhor. – Respondi, calmamente.
– Prontos, a vaga é tua, senhor Batinho. Eu vou dar a oportunidade que tu precisas. Nós não precisamos do senhor, precisamos da força do senhor. Queremos que o senhor use a visão desta empresa e a transforme em algo melhor e maior. Mas, nesse momento, estamos a fazer o processo para um projecto. Ligaremos para o senhor, dentro de duas semanas, mas esteja confiante que a vaga é sua.
– Muito obrigado, Sr. William, será um prazer atender o senhor.
– Obrigado a ti também. Cuide-se, rapaz!
– Obrigado.
Saí com a emoção banhada pela noradrenalina. O meu sistema simpático estava totalmente activado, comprei um hamburger e uma sumol, fui comemorar na Marginal, no terminal de embarcação. Tirei os calçados, desabotoei a camisa por cima, desfiz a gravata e coloquei os pés na água. Só queria ser eu naquele momento. De frente, eu podia ver os barcos que distavam o meu globo ocular e pude ver os peixes a saltar, a comemorarem comigo a vitória de um emprego que teria daqui há três semanas. O vento, o mar azul, as pessoas ao redor, eram apreciação da minha alegria.
De repente, era o meu pai ao telefone.
– Aló, pai.
– Aló, filho. Como tens passado?
– Eu tenho passado bem e em casa como estão?
– Estamos bem, também. E conseguiu?
– Ainda não pai, mas, já já, eu consigo.
– Filho, estamos realmente disposto a ajudar, se precisar. Eu tenho amigos de confiança e além do mais agências da nossa empresa está bem aí na Mutamba. Vá para lá. Podes não ser administrador da empresa, mas, pelo menos, trabalhar, filho. Terás um salário igual ao de todos. Tu não precisas de sofrer. Eu já conquistei isso para ti.
– Eu sei, pai, eu sei e agradeço muito. Na verdade, eu só preciso de dinheiro para manter a minha estadia no apartamento e o resto eu vou e quero virar-me sozinho, pai. Por favor. Estou pedindo isso ao senhor. Quando realmente precisar, eu vou dizer.
– Está bem. – Disse o Sr. Rafael e acrescentou: “Eu espero que consigas o que precisares e oro para que Deus intervenha nas tuas lutas”.
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